MÉTODOS DIAGNÓSTICOS EM GLAUCOMA


Para os profissionais da área, Optometristas, Oftalmologistas, eis que o Glaucoma ainda é uma doença não totalmente elucidada e que ainda é objeto de estudo para vastas pesquisas, com o intuito de aprimorar o diagnóstico precoce e tratamento.
A RBM (Revista Brasileira de Medicina), traz um artigo atualizado do Oftalmologista brasileiro Jair Giampani, citando os métodos tradicionais e mais recentes de diagnóstico do Glaugoma.
Métodos diagnósticos em glaucoma: importância e relevância clínica
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A neuropatia óptica glaucomatosa acomete mais de 2,4 milhões de indivíduos anualmente em todo o mundo, sendo considerada uma das mais importantes causas de cegueira nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, juntamente com a degeneração macular relacionada à idade e a retinopatia diabética. (…)
              Medida da pressão intra-ocular
A partir dos trabalhos de Leydhecker, em 1958,      utilizando o tonômetro de indentação de Schiotz, o aumento da PIO passou a ser sinônimo de glaucoma. Este conceito permaneceu imutável até há poucos anos, quando a importância da PIO na gênese da lesão glaucomatosa começou a ser revista.
Atualmente, o tonômetro de aplanação de Goldman é utilizado e aceito mundialmente para aferição da PIO. O aumento desta deixou de ser condição “sine quo non” para se tornar um fator de risco no aparecimento do glaucoma.
Assim é que o conceito de pressão intra-ocular normal deixou seu caráter populacional para assumir um individualizado. Hoje, sabemos que um paciente pode apresentar as típicas alterações glaucomatosas na vigência de pressões tão baixas como 15 mmHg. Em contrapartida, alguns indivíduos seguidos sem tratamento hipotensor por anos não exibem lesão glaucomatosa, apesar de pressões tão altas quanto 25 mmHg. Desse modo, cada paciente exibe um valor individual de PIO normal, que poderia ser conceituada como aquela na qual não ocorre lesão dos axônios das células ganglionares.
Mais do que uma única medida, as variações da PIO no decorrer do dia devem ser valorizadas. As variações de 2 a 6 mmHg são ditas fisiológicas. Os indivíduos glaucomatosos apresentam caracteristicamente uma maior variabilidade diurna da PIO, podendo este ser um sinal importante.
A sensibilidade do clássico número maior ou igual a 21 mmHg no diagnóstico de glaucoma é menor que 50%. Segundo Buskirk e Cioffi (1992), um “screening” populacional realizado pela tonometria identificaria somente 50% dos pacientes com glaucoma. (…)
Avaliação do nervo óptico no glaucoma
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A avaliação biomicroscópica do nervo óptico é, sem dúvida alguma, a principal arma no arsenal diagnóstico da atrofia óptica glaucomatosa.
Vários autores já demonstraram que as alterações em nível da camada de fibras nervosas retiniana peripapilar e as lesões do disco óptico precedem em até seis anos o aparecimento dos defeitos típicos de campo visual.
Quigley(2) demonstrou que os escotomas glaucomatosos somente surgem após a perda de aproximadamente 50% das fibras do nervo óptico, graças a uma eficiente reserva funcional.
Desse modo, só se faz o diagnóstico precoce de glaucoma através de uma cuidadosa avaliação do disco óptico e da retina peripapilar.
Acreditamos, assim como a maioria dos autores, que a biomicroscopia de papila, com lente de Volk de 78 ou 90 dioptrias, é o melhor método de avaliação do nervo óptico.
Da mesma maneira, a obtenção de estereofotografias coloridas de papila é ferramenta útil no seguimento dos pacientes portadores de glaucoma ou suspeitos.
Já foram descritos ao redor de 23 sinais indicativos de atrofia glaucomatosa em nível da cabeça do nervo óptico e retina adjacente.
Sem dúvida, o aumento da escavação é o sinal mais conhecido. Não obstante, a relação escavação/disco deve ser mais valorizada que a análise isolada da escavação. Espera-se que discos ópticos maiores apresentem escavações também maiores. Portanto, pode ser muito mais preocupante uma escavação de 0.4 em uma papila pequena do que uma de 0.7 em um disco com área maior.
Segundo Becker, uma relação escavação/disco maior que 0.3 ocorre em 82% da população com glaucoma e em apenas 18% da população normal.
A escavação glaucomatosa costuma ser maior na vertical, em virtude da maior perda de fibras que ocorre nos pólos. Ela pode se apresentar ainda de forma concêntrica ou localizada (parcial ou completa) em uma região do anel neurorretiniano. A perda localizada completa recebe o nome de notch e tem boa correlação com a existência de defeitos arqueados no campo visual.
A espessura da rima neural costuma ser maior na região inferior, seguida pelas regiões superior, nasal e temporal da papila. Qualquer alteração nesta ordem pode ser um sinal precoce de lesão.
A assimetria entre as escavações de ambos os olhos é outro sinal importante a ser considerado. Menos de 0,5% dos indivíduos normais apresentam uma assimetria maior que 0.2. Há de se atentar, porém, se os discos ópticos apresentam áreas semelhantes.
Outros sinais importantes descritos são:
· Vasos em passarela ou desnudamento do vaso circunlinear – por perda do suporte dado pela rima neural, os vasos podem ficar suspensos ou afastados dela. O trajeto vascular pode ser modificado, ficando com o aspecto de “baioneta”;
· Alças vasculares – enovelamento vascular que indica uma trombose venosa crônica;
· Hemorragia peripapilar – normalmente assume o aspecto de chama de vela, refletindo um defeito localizado da rima neural. É fugaz, durando de três a quatro semanas, e sugere progressão do dano glaucomatoso;
· Palidez localizada ou difusa do anel neurorretiniano – o diagnóstico diferencial desta alteração deve ser feito com as seqüelas das neuropatias ópticas isquêmicas, já que a atrofia glaucomatosa cursa com maior escavação em detrimento da palidez;
· Sinal da sombra – palidez associada a escavação localizada;
· Escavação pintada de rosa – aumento de escavação na ausência de palidez, devendo ser definida pela deflexão dos vasos;
· Estreitamento arteriolar difuso ou focal;
· Desnudamento e estriações da lâmina crivosa – a perda do tecido neural expõe a lâmina crivosa, que deslocada posteriormente (pelo aumento da PIO) deforma os poros que passam de ovais a alongados (estrias de Susanna);
· Fosseta adquirida – deslocamento localizado e posterior da lâmina crivosa, comumente associado com perda localizada da rima;
· Perda difusa ou localizada da camada de fibras nervosas (sinal de Hoyt) – melhor observada à oftalmoscopia com filtro verde, como uma maior facilidade em visualizar-se os vasos retinianos, antes mergulhados na camada de fibras. Constitui um dos sinais mais precoces(3) da neuropatia glaucomatosa;
· Atrofia peripapilar – é mais freqüente na população com glaucoma, podendo ser também observada em indivíduos normais. É dividida em zonas alfa (hiperpigmentada) e beta (hipopigmentada), sendo a última mais característica de glaucoma.
De acordo com seu aspecto, o disco óptico glaucomatoso pode ser classificado em quatro tipos principais, com implicações na gênese do dano(4):
1. Tipo miópico: são discos grandes, elípticos, com atrofia peripapilar, principalmente na região temporal e escavação concêntrica e rasa. A perda da camada de fibras nervosas é mais difusa e a PIO tende a ser normal ou pouco elevada;
2. Tipo senil-esclerótico: discos de tamanho e formas normais, com escavação rasa e concêntrica. Há atrofia peripapilar extensa, perda difusa da camada de fibras nervosas e PIO normal ou pouco elevada. Os defeitos de campo visual, quando existem, são difusos e os escotomas pouco densos;
3. Tipo focal-isquêmico: abrange discos ópticos com escavação profunda e abrupta, “notching” e perdas localizadas na camada de fibras nervosas. As hemorragias de disco são freqüentes, e os escotomas densos e próximos da área de fixação. É o tipo mais freqüente no glaucoma de pressão normal;
4. Tipo juvenil: discos com escavação profunda e abrupta, concêntrica, associada a defeitos localizados na camada de fibras nervosas e hemorragias. A PIO costuma ser elevada. É o tipo mais freqüente nos glaucomas congênito primário, juvenil e pigmentar.
Avaliação do campo visual automatizado acromático (branco/branco)
CV medioA neuropatia óptica glaucomatosa acomete inicialmente, e de maneira característica, a periferia do campo visual.
A maior parte dos pacientes somente irá experimentar queixas de baixa da acuidade visual central tardiamente, quando muito pouco teremos a oferecer para melhora da sua qualidade de vida.
É muito importante termos em mente, como já foi mencionado, que os escotomas glaucomatosos constituem alterações tardias, que surgem após a lesão de aproximadamente 50% das fibras do nervo óptico. Assim, qualquer paciente portador de glaucoma e defeito de campo visual deve ser encarado como um caso avançado da doença.
Apesar disso, a objetividade e acurácia da perimetria computadorizada acabaram por transformá-la em “padrão-ouro” para o diagnóstico de glaucoma.
A típica lesão glaucomatosa é a chamada em “feixe de fibras”, que assume este formato em virtude da anatomia da camada de fibras nervosas retiniana.
A localização mais comum do defeito é no interior da área de Bjerrum, formando um arco a partir da mancha cega acima e abaixo do ponto de fixação (mácula).
Os escotomas são mais freqüentes no hemicampo superior, devido às alterações mais precoces no debrum neural inferior. Surgem inicialmente os escotomas relativos paracentrais (30 graus centrais) ou nasais, que vão tornando-se mais extensos e profundos com a evolução da patologia. Raramente ocorre perda da visão central precedendo a formação de um defeito de campo que ocupe toda a área de Bjerrum. A formação de um escotoma arqueado inferior acaba por dar origem a uma ilha remanescente de visão central associada por vezes a uma também ilhota temporal.
Por ser uma patologia em que prevalecem os defeitos localizados, a perda difusa de sensibilidade tem pequeno valor diagnóstico. (…)
Fluxo de interpretação da perimetria computadorizada (Humphrey)(5)
Após a verificação dos dados de identificação do paciente, sua acuidade visual, diâmetro pupilar e erro refracional, passamos à avaliação dos índices de confiabilidade (falso-positivos, falso-negativos e perdas de fixação). Exames não confiáveis (sinalizados com a mensagem “low patient reliability”) devem ser interpretados com precaução.
O passo seguinte inclui a análise do gráfico em tons de cinza, situado no canto superior direito da folha de impressão. A partir das áreas mais escuras (escotomas), faremos uma avaliação mais minuciosa do gráfico numérico. Nele são mostrados os valores de sensibilidade retiniana à luz ponto a ponto em decibéis (dB). Normalmente, os pontos mais próximos da área de fixação apresentam maiores limiares de sensibilidade, limiares estes que vão decrescendo à medida que se caminha para a periferia do campo visual.
Posteriormente, procedemos a interpretação dos gráficos de probabilidade do “total deviation” e “pattern deviation”, especialmente o último. Neste, os defeitos localizados (especialmente os pontos com p<1% ou p<0.5%) serão destacados das perdas difusas de sensibilidade, que ocorrem em uma série de outras patologias como a catarata.
Após a interpretação dos gráficos de probabilidade, passamos à inspeção dos índices globais. Destes, devemos ater-nos principalmente ao MD (que informa a sensibilidade global), e ao CPSD (que nos mostrará perdas localizadas de uma maneira mais correta que o PSD, uma vez que ele leva em conta o valor do “short-term fluctuation”).
Finalmente, a avaliação do GHT (“Glaucoma Hemifield Test”) confirmará nossas suspeitas de normalidade, perda difusa ou localizada de sensibilidade.
Critérios diagnósticos em perimetria automatizada
As alterações do disco óptico, os dados de anamnese e os valores da PIO devem ser avaliados conjuntamente com os achados da perimetria computadorizada para que se chegue ao diagnóstico correto. (…)
Novos testes perimétricos
Outros testes psicofísicos têm sido pesquisados e já se sabe que os glaucomatosos têm uma perda da sensibilidade de contraste e da visão das cores com comprimentos de onda mais curtos. Assim, estes testes foram implementados por métodos de apresentação e análise automatizados, dando origem à perimetria com estímulo azul sobre fundo amarelo (blue-yellow ou SWAP – short wavelenght automated perimetry) e à campimetria de freqüência dupla (FDP – frequency doubling perimetry).
Estas técnicas procuram estimular dois diferentes tipos de células ganglionares – as células P e as M.
O grupamento celular P (parvocelular) é composto por células ganglionares de pequeno diâmetro e baixa velocidade de condução. São elas mais responsivas às altas freqüências espaciais (visão de detalhes) e baixas freqüências temporais. Este é o grupamento celular testado tanto pela perimetria acromática quanto pela azul/amarelo.
Os trabalhos mostram que a SWAP detecta defeitos de campo visual mais precocemente que a campimetria acromática, num período que varia de três a cinco anos.
As células M (magnocelular), por sua vez, apresentam axônios mais largos e com rápida velocidade de condução. Elas respondem por 15% do total de células ganglionares e são responsivas às baixas freqüências espaciais e altas freqüências temporais (visão de movimento). Um subgrupo das células M (My) tem uma resposta não linear ao contraste e pode ser preferencialmente testado pela perimetria de freqüência dupla. Esta apresenta estímulos com baixa freqüência espacial e alta freqüência temporal (25 Hz). Outro teste que também avalia as células My é a perimetria de movimento (“motion automated perimetry”).
Os estímulos da perimetria de freqüência dupla consistem de listras claras que se tornam escuras e vice-versa, a cada 20 milissegundos. O critério diagnóstico seria a presença de dois ou mais pontos adjacentes com uma sensibilidade provável de ocorrer na população normal menor ou igual a 5%.
Como este teste pesquisa uma população pequena de células, acredita-se que ele detecte perdas de campo visual mais precocemente em relação ao teste acromático. (…)
Analisador de fibras nervosas
O analisador de fibras nervosas GDx (Laser Diagnostic Technologies – San Diego) é um “scanning laser polarimeter” composto de um modulador de polarização, um compensador corneano e uma unidade de detecção de polarização(6).
Este aparelho mede a mudança de fase (denominada retardo) do laser polarizado de diodo de 780 nm ao atravessar as estruturas birrefringentes do globo ocular. Juntamente com a camada de fibras nervosas da retina, são também birrefringentes a córnea e o cristalino. A influência destas estruturas é em parte abolida pela presença de um compensador corneano de polarização.
O campo do exame é de aproximadamente 15°, medindo 65.536 pontos na retina (Pixels), e criando assim um mapa.
A borda do disco óptico deve ser delimitada pelo operador do aparelho. O software automaticamente estabelece, então, uma elipse com 1,75 diâmetro de disco, concêntrico à margem do disco óptico traçada pelo operador.
O disco óptico é dividido em quatro quadrantes, sendo eles um superior e um inferior medindo 120º, um temporal com 50º e um nasal medindo 70º. Três imagens são feitas e um mapa médio é automaticamente criado pelo aparelho para a análise. (…)
No “printout” emitido pelo aparelho podemos observar, mais quatro imagens:
· Imagem refletida do fundo de olho do paciente, com a delimitação da elipse situada a 1.75 diâmetro papilar do nervo óptico e as divisões em quadrantes superior, inferior, nasal e temporal. Localiza-se no canto superior esquerdo da impressão ou tela;
· Mapa colorido representando a espessura da camada de fibras nervosas. As cores mais brilhantes representam locais com maior espessura, observação feita normalmente nos pólos superior e inferior do disco óptico em um padrão arqueado. Situa-se ‘a direita da imagem refletida do fundo de olho;
· “Double hump”: localizado no canto inferior esquerdo, representa o perfil de espessura da camada de fibras nervosas na região peripapilar nos quatro diferentes quadrantes. O intervalo de confiança de 95% da normalidade esperado para pacientes normais da mesma faixa etária é representado por uma faixa azul, que apresenta dois picos fisiológicos na região superior e inferior;
· “Deviation from normal display”: representação gráfica dos quatro quadrantes da imagem. Cada quadrante é representado pela diferença em micra da espessura da camada de fibras nervosas do paciente, comparada com a população normal da mesma idade. Uma escala de probabilidades representa a chance de uma redução na espessura ocorrer ao acaso na população normal. Situado no canto inferior direito do “printout”. (…)
O glaucoma é uma síndrome de etiologia multifatorial, na qual o raciocínio clínico se mostra imprescindível. Somente ele poderá reunir dados propedêuticos e de anamnese, a fim de aumentar a sensibilidade e especificidade do médico (e não dos aparelhos).
Finalizando, apesar dos avanços tecnológicos dos últimos anos, nossos pacientes continuam apresentando progressão do glaucoma chegando, muitas vezes, à amaurose absoluta.
É provável que esta situação seja revertida apenas quando esclarecermos os mecanismos etiopatogênicos complexos que compõem o campo fascinante e desafiador que é a glaucomatologia.

Fonte: https://optometriaparatodos.wordpress.com/

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